Por: Nonato Fontes em 09/2014 - Visitas: 4114
Comecei a namorar muito cedo, dizia Zeca. Eu ainda não tinha nem meus 17 completo... Bem mocinho, completava ele. Fui um menino exemplar, certo que às vezes me espoletava com alguma coisa e perdia as estribeiras, virava uma caninana. Logo, não era desses de aguentar fulenga, cabra macho num leva desaforo pra casa para comer com feijão, cozinha ali mesmo. Mas vamos deixar isso pra lá, que do passado só se aproveita o que é bom.
Pois como tava falando, namorei pela primeira vez lá por volta de meus dezesseis. E naqueles tempos, quando se falava em namoro nessa idade, era aquele fuzuê na casa, menino tu toma jeito! Dizia minha mãe, tu oia! completava meu pai. Só que quando a gente sente o cheiro de muié, só se aguenta se o cabra for daqueles que calça chinelo colorido ou usa pulseira de laço...
Zeca era assim, um caboclo pouco falador, porém, em seus raros momentos de conversa, tinha umas histórias de fazer qualquer cristão sorrir. Essa de seu início de namoro nem se fala.
A história desse cidadão nem imitava a cara alegre que era. Passou sua infância na roça, no entanto, como aconteceu com boa parte das famílias do sertão, acabou por ser trazido para a cidade em busca de uma vida melhor. Sua esposa, que não é a da história do namoro, veio para trabalhar de lavadeira de roupa em casa de família. O Zeca, visto que seu ofício era da agricultura, passou muita dificuldade para se arrumar, depois de um bom tempo, ingressou na labuta de servente de pedreiro. Filhos eram dois, esses acabaram sendo levados pela boca da fome, ainda quando viviam no campo. Mas isso era fato superado, pois para Zeca, a vida cá na cidade era muito boa, comparada com a fome que passou antes.
Mas, como costumava dizer o Seu Zeca, vamos pra frente que do passado só se aproveita o que é bom.
Essa história de sua primeira namorada, ele contava bem sério: Foi uma passagem de felicidade de pobre, bem rápida. Carmosa era o seu nome. Morena de encher os olhos. Ela também nunca tinha se enrabichado com outro, eu fui o primeiro a mexer com o coração dela. Mas foi uma dificuldade danada, um rebuliço daqueles pra nós se achegar um no outro. Óia que num deixava de aparecer aqueles padim de namoro pra acoitar. As fulanas metia coisa nos ouvidos de Carmosa e os fulanos me futucavam. Sei que coisa de uns dias de mexido de lá e de cá, nós se aprumemo. Começou nosso guisado de felicidade!
Bom foi pra dizer um ao outro que tava querendo.
Tudo começou assim: Num certo dia, nem fui trabaiar, fiquei foi de tocaia perto da casa de Carmosa esperando ela sair. Quando a menina apontou no terreiro, que olhou no meu rumo, eu peguei uma varinha que tinha perto e escrevi no chão "Quer namorar com eu?" Depois saí correndo. Nem sei a hora que ela leu, pois fui logo me escondendo detrás dum quintal de vara que tinha lá. Era esperteza minha, sem eu por perto, Carmosa criava coragem e ia ler. Uma hora mais tarde, saí devagar, oiando pra ver se ela ainda tava por perto. Quando percebi que já tinha saído, passei no lugar da escrita, vejam só! A danada não só leu, tinha era escrevido embaixo a resposta, "Quero". Nem consigo dizer a alegria que fiquei.
Hoje quando falo pra vocês, ficam aí admirado, mas é porque tudo agora tá mudado, no meu tempo não era nada fácil. Vejam só, nessa época, moça de família nem podia sair à noite, pois naquele tempo, só saia nesse horário muier desmantelada. Mas não era isso que atrapaiava nosso namoro. Nós tinha nossos momentos de paquera. Quando eu vinha da roça, o caminho ficava poucas braças da casa dela, Carmosa sabia meu horário, sempre quando eu passava ela tava lá, eu dava com a mão e ela acenava de volta. Juro pra vocês como eu só imaginava que ia me casar era com aquela danada.
E assim nós fomos vivendo esse romance, toda vez que a gente se via, eu acenava de longe e de lá mesmo ela respondia. Dessa forma durou vários meses. Até que começou aquele burburim dos acoiteiros: Como é que se namora sem beijar? Comentavam eles. Eu que sempre fui esquentado, fiquei me aperreando. Ora! Se eu ainda nem tinha pegado na mão da moça, imagina beijar! Essas coisas num era de supetão, tinha que aguardar um tempo. Até que um dia não resisti, comuniquei para o mais velho dos amigos que eu tinha. Ele já era experiente no ramo de namorar, por certo tinha como me ajudar. Dito e feito, tratou logo foi de providenciar um encontro. Quando ele me falou que tinha arranjado um jeito de eu falar com ela, deu uma friagem no pé da barriga que quase num seguro o resto.
Dois dias depois o homem já tava com tudo arrumado, nem deu tempo eu me preparar direito, treinar um pouco o que dizer pra ela. Falou que tinha combinado num local onde pouca gente passava, que era para os dois ficarem a vontade. Disse ser a minha chance de beijar a Carmosa e ela eu.
Mas como eu ia beijar a moça se eu nunca tinha feito isso antes com ninguém? Indaguei.
Ora! Isso não tem segredo, disse ele, basta você fechar os olhos e colocar a língua na boca dela.
Piorou! Eu disse. Como é que eu vou enxergar a boca dela com os olhos fechados?
Zeca, tu olha antes, você só vai fechar os olhos quando sua boca e a dela já estiverem quase se tocando, entendeu?
Entender o que ele me dizia, eu entendia, mas como eu nunca tinha feito isso antes e minhas pernas já tremia só em pensar nesse encontro, tinha quase certeza que isso não ia dá certo.
Quando chegou o dia e a hora marcada, eu fui. Esperei algum tempo, juro que até rezei pra ela desistir, porém, antes de terminar a oração, ela apontou no canto da rua vindo na minha direção. Eu não sei se era um dia nublado ou se meus olhos é que estavam embaçados, sei que só distinguia um vulto vindo. Nunca tinha estado tão nervoso. Quando Carmosa se aproximou nós começamos a conversar.
Ela disse, cheguei.
Eu respondi, chegou?
Cheguei, repetiu.
Tu vei com quem?
Vim só, tu num viu?
Vi.
Demoramos um pouco em silêncio. Pensei comigo, acho que tá na hora de beijar. Encostei um pouco mais perto, ela se afastou. Voltei a encostar, ela ficou parada olhando pra mim, admirada. Então, lembrei do que o amigo me disse. Fechei os olhos, botei a língua pra fora e fui direto no rumo dela. Senti que tinha tocado numa coisa, até imaginei ser a boca de Carmosa, mas era de um amargo que mais parecia barro de tijolo. Meus amigos, vocês nem imaginam, Deus me leve se tiver mentindo! Pois num é que a Carmosa, vendo aquele meu jeito desmiolado, se assustou, saiu em disparada no rumo de casa antes mesmo deu tocar nela. Como estava de olho fechado, nem vi. Daí deu pra entender aquele amargo na boca, eu tinha metido era a língua na parede da casa onde nós tava encostado. Depois que percebi o desmantelo meu, quase fico ali mesmo, morto de vergonha!
Depois disso passamos quase um mês sem se olhar um no outro. Eu até pensei que tudo tinha se acabado, mas não. Quando disseram a Carmosa que eu só tava querendo um beijo, ela se acalmou. Voltamos nosso namoro, mas daquele jeito, eu sem beijar ela, ela sem beijar eu. Deixamos o povo falar. Mais valia era nosso aceno, pra mim era melhor que beijo de parede. E assim foi até que tudo acabou, Como essa história.
Findava assim, seu Zeca. Com um término de conversa seco. Ninguém conseguia fazer ele dizer mais nada sobre aquele "episódio". Desconversava se alguma pergunta fosse feita a respeito do final de tudo, nem adiantava insistir, pois ele só repetia: vamos pra frente que do passado só se aproveita o que é bom.
Foram muitas outras histórias engraçadas que ouvi dele. Talvez até nem saiba passar para vocês com toda a graça que saia da boca daquele senhor. Mas nesse mundo ganha um ponto quem conta um conto, contei o meu, ou do Seu Zeca. Pode ser que noutra oportunidade ainda conte mais um. Ah! Não me perguntem que fim levou esse homem, agora acabou, como essa história.
Vamos pra frente que do passado só se aproveita o que é bom.
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